quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Meu simbólico fim

    Muitas coisas mudaram desde uns tempos atrás, aquele menino sorridente, que não podia esconder um sorriso para uma foto, que brincava com seus carrinhos na sala de estar, onde é que ele está? Cadê teu sorriso? O menino de dez anos que já sonhava em se casar com uma mulher quando crescesse, ou que olhava atentamente as setas brancas nos pneus dos ônibus da Viação Mirim como se fossem ouro puro, agora não vê valor em nada, nem no que é mais valioso para a alma. Onde está aquele garoto que fitava as rodas de um caminhão girando como se hipnotizasse? Ou que se alegrava com o som das suspensões de um carro passando por uma lombada? Que estudava achando que algo seria no futuro se soubesse de tudo? Que sonhava em ter uma casa pequena com um terreno gigante? Que tinha sonhos?

    Ocorrências futuras mudaram bastante o meu jeito de ser, eu que atuava histórias que criava enquanto deitado na cama, perdi aquela vontade de me imergir na ficção, talvez porque a dura realidade quis que eu acordasse, praguejado por abusos, dos pais, dos professores, dos colegas de classe e dos amigos, por doenças e condições de saúde, pelo suicídio de amigos próximos, pela morte natural de pessoas importantes para mim, pela falta de amor e sobra de ódio.

    Ruins foram estes momentos, mas me ensinaram muito, hoje tenho uma facilidade incrível de desapegar de alguém, uma vez que passou o luto da despedida, esta pessoa nunca sequer existiu, é um personagem ficcional, faz parte de uma história qualquer. Aprendi também a prever as atitudes alheias, assim posso agir melhor quando elas acontecerem, não quero errar em algo trivial, muito menos de novo. Aprendi que quando você ignora algo, esquece disso, da mesma forma, é esquecido por isso, talvez por isso esqueço de tudo que não resolvo imediatamente, porque ignorar é esquecer e ser esquecido.

    Trouxeram a tona tantos sentimentos e tantas mudanças que não sou mais a mesma pessoa que eu era há dez anos atrás, não tenho as mesmas ideias, ambições, companhias, mesmos objetivos, mesmo sorriso, por isso, não quero mais ser chamado pelo meu nome de batismo, este homem com tal nome morreu, não sei quando, nem a causa, mas quem está aqui é uma pessoa que se passa por ele, responde por seu nome, mas, no fundo, não tem mais quase nada dele.

    Emancipação desta pessoa é o que aconteceu, o homem que vos escreve não sonha em morar nos Estados Unidos, não assiste mais novelas, não agride alguém que o assediar, não quer dinheiro sobrando, não joga por gostar, não cria estórias para atuar, não confia mais nas pessoas, não cheira fumaça de óleo diesel por gostar, não fica tomando vento frio com chuva no braço do sofá, não corre pela casa fingindo estar numa guerra, agora, a vida que é uma guerra, por isso, não sou mais eu, não sou mais nada.


Toinho Stark do Cangaço, 21/08/2024, 19:08 - 23:27



(Por isso, não quero mais ser chamado pelo meu nome de batismo, este homem com tal nome morreu)

(Muitas Ocorrências Ruins Trouxeram Emancipação)



domingo, 18 de agosto de 2024

Mente em caminhada

     A luz entra pela janela, talvez são 7 da manhã, vitamina de banana, descer a escada de novo, tenho que correr, banho, não esquece de tirar a roupa, fechei a porta? Estou mesmo acordado? 7:43, Colocar as roupas, Bom Dia Pernambuco, sim, essa é minha cara mesmo, para de falar como se eu tivesse outra. Trocar os cadernos, Fernando morreu, sapato, esqueci algo? Óculos, VEM, carteira, celular, nenhuma mensagem, só o pessoal do Banco, rua, sem chuva, nem lembro que aula é hoje.

    Vida Corrida uma ova, correr atrás do metrô 21, olha o pessoal da feira ainda se preparando, Mascarello GranVia 2019, R$ 32,40, preciso tirar minha carteira de estudante e carregar o VEM, vendedores ambulantes, metrô quebrado de novo, Carlos Batata, moça, essa porta está quebrada, ônibus atrasado, pedinte profissional, pessoas cheirando cola, ônibus 2347, Caio Millennium V, O500R, Euro 6, prevejo trânsito.

    Corre para o meio do ônibus, um navio afunda, é como meu coração, não devo pensar muito, senão sofrerei, Capitão Temudo, Agamenon Magalhães, HOPE e Esperança lado a lado, as únicas da minha vida, um cego que vê o mundo melhor que eu, elevatória de esgoto, Henrique Dias, Carlos de Lima Cavalcanti, Derby, Benfica, K12, 8:56, só um pouco atrasado, esse professor também atrasa, nada, preciso de amor na vida, Bernoulli, ninguém se importa, 736 watts são 1 cavalo, queria o colo de uma amada, V = R*I, Ariano Suassuna tinha razão, a resistência pode ser desprezada, tal qual eu sou todos os dias, indutância de 0,36Ω, sou uma máquina de calcular, só que mais lento e erro às vezes.

    Enquanto isso, na sala da justiça, 10:31, está quente, frio coração, ligar para minha mãe, quero correr para casa, não é como se tivesse algo bom lá, mas quero a adrenalina de correr, ônibus 1149, Marcopolo Torino 2014, será que preciso fazer sinal? Lembra que ainda é "bom dia", nem sei qual será o almoço, sem fome, Djavan, Linha do Equador, Sina, Se..., estação Joana Bezerra, metrô 06, maldito, Кино, Группа Крови, Невесёлая Песня, Звезда, Кукушка, chegando, Ágata, abrir o portão, 12:27, almoçar, computador.

    Eu nem lembro direito o que era para fazer, comissões do Azur Lane, 松原 みき, 真夜中のドア, It's so creamy, -CUPID-, ニートな午後3時, biscoitos, 16:02, passar as roupas, Pachelbel, Vivaldi, Tchaikovsky, Grieg, Satie, Pavarotti, Mozart, Bocelli, queria que tivesse tocado a Valsa das Flores do Tchaikovsky ou a Segunda Valsa do Shostakovich, propaganda, raiva, jogar como se fosse um trabalho pois não me diverte mais, 21:32, entrar em chamada de voz com o Ale, fechar a porta e a janela, eu estou aqui, mas minha mente não, finjo um riso, ninguém nem sabe.

    Paro e penso um pouco, reflito, mas isso machuca, Pablo do Arrocha, é hora de ir à cama, quem dera pudesse só fechar os olhos e dormir, por que eu disse aquilo? Queria tanto ter dito essas coisas, esqueci até de agradecer, tive uma ideia, falar com os outros cansa, eu definitivamente não devia ter falado isso, eles me odeiam agora, não é? Ninguém precisa me sabotar, já faço isso sozinho, queria morrer, o relógio aproxima-se do seu fim de curso, meu fim, começo.


Toinho Stark do Cangaço, 19/08/2024, 00:00 - 01:55




(A vida corre, enquanto eu paro)

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Um pouco à esquerda

     Não é algo intuitivo, mas tenho descoberto muitas coisas sobre mim, coisas que já sabia, mas negava, fingia que não existia ou só fugia, a desta pauta é sobre eu ser ambidestro, inclusive, este texto está sendo escrito com minha mão esquerda neste caderno, mais por capricho meu mesmo.

    Sou o tipo de pessoa que sempre se considerou destro, mas eu sabia desde criança que minha letra com a mão direita e com a esquerda eram iguais, igualmente ruins, isto é, mas eu fui doutrinado a escrever com a mão direita. Queria ser perfeitinho, então só seguia o que os outros diziam ser certo, a não ser que tivesse convicção do contrário, logo, apenas escrevi com a mão direita desde então.

    Quem melhor que o destino para mudar as coisas? Um dia, quis escrever uma filosofia no caderno que dizia algo como: "Somente porque algo está sendo feito do jeito errado, não significa que está errado". Porém, para passar melhor esta mensagem, decidi por escrevê-la com a mão esquerda, na época já me convencia ser destro por mais de uma década, achava que ficaria horrível, então me surpreendi, saiu legível, ainda assim, neguei. Anos depois recomecei e hoje aceito quem sou, há dois meses pratico uma vez por semana, quando lembro.

    Pareço louco falando isso, talvez eu seja mesmo, mas isso se aplica a outras coisas também, que me engano e continuo fingindo e agindo como se fosse de um jeito, mas, no fundo, uma força luta para se libertar das amarras do medo.

    Ser o que sou é apenas um pedaço, o que eu deixo verem, mas a dona liberdade dentro de mim confronta o senhor medo, não sei se ganhará, quem sabe ela também escreverá com a mão esquerda.


Toinho Stark do Cangaço, 30/07-02/08/2024







Escrita a fio

    Encontrei na escrita o refúgio que preciso, uma pequena cabana de folhas na selva que é a vida, não é bom, saudável nem suficiente, mas é o único que tenho. Aqui as palavras saem com força, como o pulsar do sangue numa artéria, saem com o gatilho do sofrimento, que rasga-a, permitindo-o jorrar, derramar sobre o papel os sentimentos.

    Uma das razões para que eu escreva é como mecanismo de enfrentamento, sentimentos que eu nem entendo, tudo sob a suposta alegação de me fazer sentir melhor, diria que a sensação é como expelir algo que te faz mal do corpo, é ruim, mas seria pior se ficasse dentro de mim.

    Navalha de palavras, é como descrevo meus textos mais cruéis, partir o seu coração só para que sintas por um tempo o que sinto a vida toda. Nem sempre é tão direto, nem sempre é o que sinto, às vezes é o que quero sentir, às vezes empatia, às vezes estou tão destruído que só quero demonstrar em outro personagem os mesmos sentimentos que tenho.

    Afiada como lança, minha mão rasga o papel em busca de sentido em tudo que passo, cada mágoa é um potencial texto, uma bateria pronta para ser descarregada, um ônibus lotado chegando ao Terminal Integrado do Papel, onde as linhas do caderno se integram com o trem de ideias, são sentimentos passageiros num bilhete único.

    Para mim, a escrita é o auto-flagelo que me tira destes sentimentos ruins, é como descontar a dor, é o fruto de tudo isso, tentação de uma cobra, o punho de Viktor Tsoi que acende a pólvora, o pulso com mais linhas do que deveria, o cigarro, a bebida, o escape da realidade.

    Me vejo no espelho com olhos de quem já desistiu há anos, quando estou sem esperanças, escrevo como se fizesse diferença, quando a vida me machuca, machuco o caderno com o lápis, quando me sinto só, crio companhia na ilusão ou crio outro solitário para me identificar. Às vezes quero assistir a um drama cruel, só para chorar as mágoas que sinto, quando cansei de chorar meu sofrimento, quero rasgar meu coração com empatia.

    Cortar os laços com a solidão faria-me tão bem, mas talvez cortaria também meus laços com o papel, não que a vida deixaria de ter problemas, na verdade, novos problemas surgiriam, mas eu teria motivos para seguir em frente e uma mão amiga nos momentos difíceis, ou seja, a dor não doeria.


Toinho Stark do Cangaço, 10/08/2024, 20:26

Nota do autor: A ociosidade que eu poderia estar aproveitando na companhia de alguém que me ama, utilizo para escrever este texto e muitos outros, pois há ausência da mesma, desta forma creio que não mais escreveria se tivesse amor na vida, ou talvez reduziria bastante, mudando para uma leitura mais leve. (Adicionada dia 10/08/2024 às 20:31)


(Encontrei uma navalha afiada para me cortar)