terça-feira, 29 de outubro de 2024

Árvores

     Sou um pequeno joão-de-barro no topo de uma cinzenta árvore, cujos galhos são cinza e as folhas amarronzadas seguem por uma longa extensão que perco de vista, pequenos sóis se acendem por aqui quando o sol maior se apaga. Ouvi os humanos chamando a massa cinza que criou esta árvore de "concreto", então chamo esta pequena floresta de "árvores de concreto", é meu ponto de repouso, longe das assustadoras montanhas de concreto, mais assustador ainda são as montanhas de céu, você está voando por aí achando que só tem céu em sua frente, então esbarra numa montanha de céu, morrendo em seguida, por isso me escondo aqui.

    O que me surpreende é como este lugar sequer existe, parece tão estranho, tão anormal, como se nada fizesse sentido. Mas não devo me preocupar com tais besteiras, aqui tenho a comida que os humanos deixam cair no chão, ao menos as que os ratos não comem, pequenas plantas crescem por aqui, ainda que pareçam enfrentar grande resistência do ambiente, e um pouco de água passa entre as folhas, são fonte de minha sobrevivência, um pequeno preço a se pagar pela falta de predadores e perigos.

    Bom ver que aqui é pacífico para mim, mas não entendo os outros que aqui habitam, parece que nenhum ser quer ficar por aqui, ao menos isto afasta os indesejados predadores, mas a emoção que paira ante a tantas formas de vida é a solidão. Na verdade, nem sei se tudo aqui é vida, os humanos entram voluntariamente em uma grande centopeia, mas não parecem ser comidos, do contrário, até se alegram quando a veem com seus olhos iluminados, tão apressados, alguns correm para serem levados por ele, por que estas criaturas não sabem apreciar a calma? Parecem não descansar, será que estão sempre fugindo de um predador e achando abrigo dentro da centopeia? Aonde ela os leva? Se lá é um lugar tão bom, por que voltam aqui? Se aqui é um lugar tão bom, por que fogem?

    Senso espacial, equilíbrio, medo e verde, é o que perdi quando decidi morar aqui, ainda vejo as plantas ao longe, mas não ouso tocá-las, as plantas daqui são tão pequenas que até eu pareço grande junto a elas, as de lá estão na zona perigosa. O conforto me fez inerte, nem penso no que pode ser amanhã, apenas descanso, acho que será assim para sempre, como, durmo, canto, vou de árvore em árvore, em seus galhos de concreto, já fiz isso por muito tempo e creio que só farei isso. A morte só existe se um predador me atacar, não é? Ou se eu colidir com uma montanha. Acho que minhas asas nem são mais úteis, aqui nesta morada de conforto, sequer preciso voar, voo apenas pela emoção por alguns segundos e já cheguei no destino.

    Chamando outros pássaros para este abrigo no meu tempo livre, é o que faço aqui além de sobreviver, sinto saudades de voar, da minha liberdade, de desbravar tal azul do céu que faz lá fora, mas tenho medo do que pode me atacar por lá, nem sei se minhas asas aguentariam me sustentar por mais de um minuto. Mesmo assim, sinto imensa vontade de enfrentar este desafio, de bater minhas asas novamente, talvez por isso todos os humanos que aqui passam vão embora, cedo ou tarde, eles também querem voar. 


Toinho Stark do Cangaço, 29/10/2024

(Narrar a história do ponto de vista de um pássaro no topo de uma estação de metrô, que chama suas colunas de "árvores de concreto", o pássaro é um joão-de-barro, a ideia é criticar a vida apressada em aparentemente sem sentido dos humanos, tive essa ideia esperando pelo metrô em Joana Bezerra.... Parece até que eu estou dando comandos para uma IA, lol... Acho que pensamos parecido)

(Sou o bom senso chamando)

(Senso espacial, equilíbrio, medo e verde, é o que perdi quando vim parar aqui)

(Chamando outros pássaros para este abrigo o tempo todo, é o que faço além de sobreviver. Sinto saudades de voar, da minha liberdade, talvez por isso que todos os humanos que aqui passam vão embora, cedo ou tarde, eles também querem voar)

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